O sol já ia alto. As searas fumegavam com o aumentar do calor, que ia secando a humidade deixada pela noite, sobre as espigas daquele arrozal imenso. Ao longe, uma cegonha chamava pelo macho, levantando o seu longo pescoço. Do bico em forma de trombeta saía um canto estranho!
Quase sem roupa, Raul encontrava-se deitado na terra fria e cantava alto.
Não tardou e o desejo aconteceu!
A Lurdes apareceu sorrindo.
Ouvia-o desde que saiu de casa. E ainda eram umas dezenas de metros, até ao talhão da ribeira, como era designada aquela extensão de arrozal.
─ Olá Raul, bom dia!
─ Olá Lurdes! Como sabias que eu estava aqui?
─ Não foi difícil… O meu pai já não te podia ouvir, disse-me para eu te vir mandar calar…
─ Ah!… Foi?! E que mal tem? Já não se pode cantar?
─ Podes, podes… Mas não tens que acordar a vizinhança toda…
─ Está bem, já me calei. Agora, que estás aqui, posso contar-te um segredo?
─ Hum… Acho que sim… Mas não penses que eu desta vez me vou meter em aventuras! Da última vez que tu me contaste um segredo, quase morria por tua culpa, lembras-te? Se meus pais soubessem, não me deixavam sequer, falar contigo…
─ Olha que o que eu ontem à noite vi da janela do meu quarto, deve interessar-te…
─ Ah, sim? Então, conta lá… Mas não vou contigo averiguar seja o que for! Entendido?
─ Ah, ah, ah! Eu sabia que ias dizer isso! Tu és medricas e por isso vou ter de ir sozinho. No entanto, pode ser perigoso, daí ter achado por bem contar-te.
─ Deixa-te de conversas… Já estou curiosa. Além disso, sabes bem que não sou medricas nenhuma, já te provei que sou Maria-rapaz.
─ Está bem, está bem… Olha, ontem à noite, quando estava no meu quarto ouvi um grito, apaguei a luz e fui muito sorrateiro à janela. Espreitei e não vi nada. Fiquei ali a vigiar… Estive cerca de meia hora às escuras, pois estava com receio que reparassem e me vissem a espiar. Por precaução, coloquei o meu guarda-chuva preto, aberto na minha frente. Tu sabes que ele tem um buraquinho no pano… Bem, foi muito fixe… Sei que não me viram e saíram do esconderijo.
─ Ai! Já estou assustada! Saíram, quem?
─ Tem calma! Não conseguia ver-lhes os rostos, porque estava muito escuro. Eram dois vultos e cada um tinha uma candeia…
─ Uma candeia?! És parvo ou quê? Quem é que ainda usa candeias nesta época?! Andas a ver muitos filmes!
─ Pronto… Não eram candeias… Eram lanternas. Mas, que importa? O que sei, é que eram quase três da manhã e alguém se foi esconder para o meio do arrozal!
A Lurdes com os seus nove anos nem é uma menina muito forte de corpo, mas de espírito ninguém a bate. Tem uma genica dos diabos e já sabia, que o que o Raul lhe contara, precisava de ser investigado… Realmente, àquelas horas, não faz muito sentido, andar alguém pelos arrozais de lanterna na mão.
O Raul era mais velho que a amiga apenas um ano, mas, de certa forma já se encaminhava para a adolescência, apresentando penugem nas pernas, nos braços e também um ligeiro buço. Viveu sempre no campo e está habituado a andar descalço. É mais rápido nos terrenos enlameados dos arrozais, que qualquer rapaz da idade dele, a correr em pista coberta. O que o faz ter uma autoconfiança nas aventuras, que por vezes inventa. Ele sabe que em caso de perigo, o arrozal é sempre um óptimo refugio… Aí, ninguém o apanha.
─ O que te parece? ─ indaga ele.
─ Bem… Posso ir a casa vestir umas calças?
─ Claro! Olha… Traz também a máquina fotográfica… Nunca se sabe…
Aceito sugestões do que o Raul e a Lurdes vão encontrar lá no meio do arrozal!!!